terça-feira, 24 de novembro de 2009

Um conto de amor com cheiro de Néctar da Flor (Blogagem coletiva)


Como podem ver, a postagem de hoje está participando da Blogagem coletiva promovida pelo blog Néctar da Flor (você pode conferir os outros blogs participantes nesse link). Por favor, degustem sem qualquer moderação. Cheiros grandes.
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É só você vir me abraçar que logo embriago-me. Teus braços me enlaçam com uma facilidade desconcertante; me acolhem com certa ternura e quando vejo, já estou envolta à uma espécie de escudo protetor. Mesmo você não sendo um superherói.
Seu riso escrachado e alto, me arranca risadas gratuitas. É tão gostoso vê-lo rindo com naturalidade, que meu riso escapa e faz compainha ao seu. Gosto também dos seus sorrisos mais tímidos, meio que escondidos, encabulados; estes sempre lhe coram as bochechas e o denunciam. Você bem que tenta disfarçar: odeia quando fica vulnerável; mas, de vez em quando, se faz de desprotegido só para roubar minha atenção.
Acho graça quando tenta me explicar algo que eu não entendo e irrita-se quando eu, propositalmente, finjo não escutar ou quando digo que você não sabe explicar nada. Eu sei que é um pouco leviano da minha parte, mas acho uma graça suas sobrancelhas unidas, seu "bico" e sua testa franzida.

Seus gestos são leves, delicados. Sua boca tem um formato único e não me canso de contorná-la com as pontas dos dedos. Você brinca dizendo que um dia saberei desenhá-la de cor; e realmente:um dia saberei. Sempre me surpreendo com o fato de você me conhecer tão bem que, ao menor incômodo, um suspiro longo, sabe me diagnosticar com tamanha precisão que nem eu mesma sei se seria capaz de fazer.
Seu cheiro é inconfundível. É por vezes doce, por vezes cítrico; às vezes é parecido com chocolate, por vezes me lembra baunilha. Há dias que é amadeirado e confesso que esse é o meu favorito. Mas mesmo oscilando, reconheço-o longe; é que já está gravado em minhas narinas.
Por fim seus olhos. Os olhos de uma pessoa me atraem feito ímãs. Os seus então...são duas bolas castanhas, nítidas; contêm um segredo e é isso que mais me instiga. Mas, apesar de todo esse enigma e mesmo que você negue, consigo lê-los. São curiosos, inquietos e para espanto meu, também conseguem ler o que tem escrito nos meus, que se escondem atrás dos óculos. Você consegue decifrá-los.

Enfrentamos dias não tão coloridos também. Brigamos, irritamo-nos fácil um com outro, não medimos as palavras, não deixamos recados; fazemos silêncio. Não se pode ter dias de sol o ano inteiro, mas nem por isso o restante dos dias precisam ser entediantes e difíceis. Dias assim são os melhores para se fazer as pazes junto com uma boa xícara de chocolate quente; você sabe. Nesses dias, você consegue ser irresistivelmente mais sensual, inebriante.
Às vezes pergunto-me se não estou sendo louca, vendo coisas que não existem. Pergunto-me se não estou sendo boba, ou clichê, ou sentimental demais. Se não estou criando uma ilusão apenas na tentativa de esquentar, sossegar esse coração inconstante que tenho. Mas quando você me toma em seus braços, me beija e me sussurra confidências, qualquer dúvida se dissolve. Ao mesmo tempo vem o desejo incontrolável de passar meus dias, de sol ou não, ao seu lado. Porque você é tão falho quanto eu, e assim como eu, você também pode errar.
Mas essa vontade, essa vontade de querer tentar acertar o máximo possível...essa meu bem, é o que eu chamo de AMOR.

sábado, 14 de novembro de 2009

Uma noite quente, cigarros e os vultos das minhas tristes putas




Imóvel, acompanhava só com os olhos o fado do ventilador girar de um lado para o outro, sem sequer ficar tonto. Meu corpo ainda suava freneticamente e, entre uma tragada e outra, tentava recuperar o fôlego que havia escapado dos meus pulmões. As pernas ainda estavam bambas. Havia me saciado como um animal faminto: sem piedade, calculista e com instintos à flora. Elas, como boas servidoras, saciaram toda a minha vontade por luxúria. Sim, elas, no plural. Minhas amantes, mulheres libidinosas, meus pecados; minhas putas. Cada uma com seu jeito de me enlaçar, domar e prender em seus convidativos pares de coxas.
A mulata tinha olhos de avelã: tão deliciosos quanto a mesma. Nem muito alta, nem muito baixa; tinha ganhado as medidas certas para enlouquecer um conquistador inveterado. Soava como o samba, a bossa, o chorinho; passava pela salsa e suas rodopiadas. Cheirava a mar, morangos e cigarros. Hollywood, na tentativa de uma dia virar estrela conhecida. Por enquanto, só brilhava em alguns lençóis por aí, nem sempre tão brancos. Seu nome de certidão: Lucrécia, mas era conhecida como Lulu Night (em inglês só para dar a sensação de que era artista), pelos frequentadores de seus territórios. Inclusive, eu.
A outra era um tanto pálida. Tinha sinais espalhados por todo o corpo, fazendo o olhar se perder em algum cruzamento. Cabelos curtos, boca carnuda, alta, com mãos ágeis e habilidosas. Essa soava como o jazz, o rock, o pop; às vezes como o blues. Exalava cheiro de incenso, baunilha e cigarros. Não me lembro a marca; é estrangeira, tem nome complicado e é tudo que sei. Tinha bom gosto, era refinada. Fora criada em uma família de posses, mas logo se perdeu, possuída pelos mais diversos tipos. Não aspirava algo em especial como a mulata, mas sempre suspirava pelos cantos. Seu nome, Eduarda. Mas era por Grampola que respondia.
E eu as tinha agora. As duas, levadas ao mundo dos sonhos por Morfeu. Expeliam prazer pelos poros da pele, distribuíam carícias com as mãos, irrigavam-me com as línguas. Mas estavam vazias. Estavam vazias e tristes e eram seus olhos que as denunciavam. Acendi outro cigarro na tentativa de distrair-me daquelas janelas sorumbáticas. Mas em vão. Eu já estava preso, envolvido, tocado. Só me restava olhar mais fundo, explorar. E quando pensei que houvesse me perdido em algum labirinto, foi que achei o tumor, a causa de tanta melancolia: os olhos estavam implorando, em pró delas, para serem amadas, cativadas, aconchegadas. Queriam ser putas de um só homem. Queriam um homem só para serem putas.
Comovido, confuso e tentado ao convite de tê-las para mim, acendi mais um cigarro na esperança de entreter-me com a fumaça. Maldita hora que fui me meter a besta de ler os desejos dos olhos de uma puta. Ainda por cima, de duas.
Ah! vamos lá homem...Não deve ser tão ruim assim tentar juntar corações desabrigados. Ou é?
Equanto não descubro, acendo um cigarro.





P.S.: Gente finalmente achei o tal do tempo e um texto! Obrigada a todos pelos recados de incentivo. Um cheiro apertado em cada um: nos que já são de casa e os que estão chegando. Bom final de semana.
P.S.2: Quando disse que seria breve, nem mesmo eu tinha noção que realmente fosse tão rápido. Coisas do tempo zombador, vai saber...

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Apenas uma explicação breve...

Olá, tem alguém aí? ?Ah, sim...
Bem, como vocês perceberam meus caros, ando sumida da blogsfera.
Muita coisa acontecendo ao mesmo tempo, e tenho deixado o mesmo escapulir entre os dedos.
Assim que conseguir respirar, ajeito tudo aqui. Mas não se preocupem: será em breve; em breve.
Já tenho alguns textos fresquinhos prontos para serem devorados por vocês.
Aguardem mais uns dias.

Um cheiro a todos!
Naila de Souza

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Os olhos aquário

(efeito que minha máquina se imcubiu de fazer sozinha.)


O olhar límpido, sua retina brilhante... Sempre me dá a sensação de que estou ali nadando, desbravando, e mergulhando ora mais raso, ora mais fundo.

Ah!, esses olhos aquário...Um dia ainda me sugam, me puxam, me levam.
Enquanto isso, me faço rede, me faço peixe, me faço imagem.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Dias imprevisíveis, por favor.

Esses dias, enquanto dançava ao som do radinho de pilha de um estranho que estava no ponto de ônibus, pude chegar mais uma vez à conclusão que o excitante da vida é essa condição de ser imprevisível.

Andar sem rumo e mesmo assim chegar a algum lugar, virar uma esquina e tropeçar com o surpreendente, seguir em frente e reconhecer um olhar desconhecido. Falar sem saber se alguém está gravando suas palavras; dizer não querendo dizer sim, e sim quando não. Ri do nada. Chorar de tudo. Ser mais e menos. Se doar sem saber se irão lhe querer.
Não ter coisa alguma ao alcance do seu controle.

Transar com a vida todos os dias, brincar em suas curvas, explorar suas idas, suas vindas; senti-la em posse, senti-la dançar fora do ritmo...
É assim que quero que imprevisivelmente aconteça.




Todos os dias.


terça-feira, 20 de outubro de 2009

De ser yin-yang



Enquanto ele rói as unhas impacientemente, ela, deitada no sofá, canta Elis e suas mil perguntas sem respostas. Olha-o andar de um lado a outro da sala, com uma expressão tensa. "Sempre cora as bochechas quando está nervoso", pensou nisso e deixou escapar um riso.

Ele sempre reage assim a um problema. Anda a casa toda, senta mas já levanta na mesma hora, perde seu sono pelos cantos, esquece de comer. Esbraveja, grita, cala. Ora quer desistir de tudo, mandar tudo pro inferno e sair por aí sem rumo; ora diz que irá resistir, que não irá entregar as coisas assim tão fácil.
Ela por sua vez é seu oposto. Respira fundo e segue a cantarolar ou contar até dez; isso sempre resolve. Se agarra à Sra. Calma e não desgruda. Chega a ser irritante tamanha serenidade. Não faz bico, careta, nem fecha o tempo; prefere sorri. E sorri com tanta ternura, com tanto gosto, que contagia tudo que está em volta.

Há dias em que tudo são suspiros: riem da mesma piada sem graça; cantam juntos músicas que ninguém mais quer ouvir; dançam ao som do trânsito caótico lá fora; adivinham as nuvens; sussurram juntos.
Mas também há aqueles dias em que um não entende a língua do outro: ela quer azul, ele traz vermelho; ele fala vitamina de banana e ela café com pão; ela quer colorido, ele preto e branco; ele quer ver o boletim de esportes, ela quer saber como anda o tempo. Ele quer amor, ela só sexo.

Discordam, desafinam, se estranham. Mas resistem à esses dissabores.

Porque sabem que uma pessoa não ama outra só porque é educada, veste-se bem e é fã do Caetano ou Elis. Isso são só referências, detalhes, bônus.
Ama-se pelo cheiro, pelo mistério, pela paz que o outro lhe dá, ou pelo tormento que provoca. Ama-se pelo tom de voz, pelo silêncio, pela maneira que os olhos piscam, pela fragilidade que se revela quando menos se espera. Não requer conhecimento prévio, nem vastas experiências de vida. Ama-se justamente pelo o que o amor tem de indefinível.

Ama-se por ser exatamente igual, por ser exatamente oposto.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Apenas pensei...

(eu, eu mesma; por Charles Ventura)

Balbuciou algo que não consegui escutar. O radinho de pilha abafava o som da voz dele.
Só me atentava aos seus gemidos abafados, sua respiração ofegante e desritmada. O suor irrigava nossas peles e encharcava o lençol. No quarto, uma mistura de incenso, perfume de quinta e cigarro.
Eu era volúpia e só. Pensava em uma única coisa: ter ele em mim. Dentro de mim. Para mim.
Sua boca era quente, me bebia, sussurrava, me calava. Afoito, explorava meu corpo como se essa fosse a primeira e última vez. Eu delirava, me contorcia, o beijava.
Não me interessava se estava sendo puta ou não. Nunca consegui manter minha razão intacta perto dele. O cheiro dele, me embriagava tão rápido quanto um vinho barato. Mas também não queria ser racional. Queria ser instinto, gozo, prazer, luxúria.
Agora a noite estava quase no fim. Ele dormia com um ar de vitorioso, um sorriso de canto de boca e a certeza que tinha se saído muito bem. Eu ainda estava acordada, tentando acalmar esse mar de sensações que continuava agitado em mim.
O cheiro do meu cigarro e do sexo pelo quarto eram tentadores. Queria acordá-lo. Queria tudo de novo, mais uma vez...
Levantei enrolada no lençol, caminhei até a janela. Mais um dia se levantava junto com o sol.
Pensei no quanto eu o desejava para mim, no quanto eu o queria perto; pensei o quanto a gente se combina, se dá bem; pensei que ele seria o cara que não pensaria duas vezes em viver junto. Podia até arriscar dizer que era bem mais que paixão.
Mas sentimentalismos baratos sempre me deram calafrios. Sempre tenho a sensação que me torno uma idiota vulnerável.
Acendo outro cigarro e termino a taça de vinho esquecida. Olho mais uma vez a fumaça se desmanchando no ar.
Ele continua dormindo. E naquele momento ele é o meu homem. Chego perto do seu ouvido disposta a dizer que era meu, mas o medo de ser clichê me impede.
Prefiro me deitar em seu peito. Quem sabe ele não consiga ouvir o quanto eu o quero.




P.S.: A música que tocava no radinho de pilha nessa hora, era essa.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Escape...


Quando o segundo virar um século; quando o sol entristecer e o dia ficar nublado; quando todas as suas ideias esgotarem e a de terceiros não couberem em você.
Quando falar é em vão e o silêncio é constrangedor.
Quando o imprescindível se tornar descartável e o fulgaz se tornar o eterno...

Não pense que chegou ao fim da trilha.
Oxigene-se, observe, ouça!
Respire fundo e olhe ao seu redor quantas vezes for preciso.
Sempre há algo que passou despercebido ou que foi ignorado pelos nossos olhos.
Abra-os!

Porque nem sempre andar com os olhos vendados na corda bamba será o melhor espetáculo.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Voltando a órbita



Acordei com o telefone berrando. "Que horas são?", me perguntei enquanto tentava levantar do sofá. Ainda estava enjoado. Só tive certeza que estava em casa depois que vi a porta do banheiro fora do lugar. Venho a semanas prometendo que vou coloca-la no lugar, mas arranjo qualquer desculpa fajuta para adiar o conserto.
Não atendi o telefone. Preferi tomar um banho para despertar. Quem quer que fosse do outro lado da linha, iria ter que esperar. Não lembro de nada do aconteceu ontem, mas sei que preciso de um banho já.

Enquanto estava no chuveiro, tentava lembrar de alguma coisa que fiz na noite passada e nada. Então decidi lembrar da noite anterior à anterior...Não consigo lembrar de nada! E começo a ficar preocupado.
Depois da ducha, fui até a cozinha, tentar arranjar algo pra comer em meio aquele caos de louças sujas na pia, comida estragando fora da geladeira, restos de pizza, lixo acumulado. "Que dia é hoje?", tentei fazer esforço pra lembrar, mas fiquei em dúvida entre segunda e terça; é nessa hora que um calendário se faz fundamental na vida de uma pessoa. Não importa: concluí, em meio aquele depósito de lixo que carinhosamente chamo de cozinha, que precisava de uma diarista urgente! Mas depois vejo isso.

Novamente o telefone berrou. Dessa vez resolvi atender ao chamado insistente da criatura do outro lado.

- Alô, Bruno?! É a Naty.
- Oi, Naty...
- Você está vivo! Nossa o aconteceu com você?
- Que conversa é essa Naty? Claro que estou vivo, estou conversando com você. E estou bem, não é uma ressacazinha que vai me derrubar.
- Ressaca? Você só pode estar de gozação Bruno. Já deu uma olhada na sua caixa postal? Você desapareceu por 11 dias!
- Haha, Naty, você sempre exagerando...
- Exagerando? Bruno, você realemente não está bem. Faz o seguinte estou indo até aí.

E desligou antes que eu dissesse alguma coisa. 11 dias? Que exagero dela. Fui olhar a caixa postal só para ter certeza que ela estava enganada.
"Você tem 55 mensagens.". Fiquei imóvel diante do telefone e meu tom de deboche foi dando espaço a uma testa franzida.
"Mensagem nº 1, 18 de setembro...". Nem esperei para ouvir o resto. Acendi logo um cigarro, e esperei que a explicação viesse com a Naty.

Assim que abri a porta, ela me deu um abraço apertado. Minha fiel amiga, meu braço direito explicou o que tinha acontecido. E aos poucos fui recuperando a memória. Lembro que andava desgostoso com minhas últimas produções. Me sentia enfadado, repetitivo e limitado. Resolvi que ia me dar uns dias de folga; queria curtir um pouco mais. Sem os rostos conhecidos. Eu estava com aquele papo de "desbravar novos horizontes.". E as lembranças que me vieram enquanto Naty falava comigo pareciam com "os últimos dias da minha vida". Vivi um bacanal! Por isso essa ressaca infeliz e inacabável.
Resolvi não falar nada para ela. Estava adorando ser bajulado, procurado por todos. Disse que apenas fiquei fora do ar. Ela riu e disse que a galera ia se encontrar no mesmo barzinho de sempre.
Enquanto pegava as chaves e apagava a luz, senti que estava renovado; as ideias jácomeçavam a borbulhar aqui dentro. Não importa se não lembro de tudo o que aconteceu e como aconteceu.
O fato é que: EU ESTAVA DE VOLTA À ÓRBITA!

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Nebulosa



Por onde eu passava, ouvia os burburinhos. Não precisam me lembrar o tempo todo que aquela nuvem está aqui. E já começo a me preocupar: antes era só um pontinho imperceptível; agora é uma nebulosa negra e densa.

Não me recordo quando exatamente ela começou a se instalar. É que pra ser sincero, nunca consegui me apegar a essa coisa de contar tempo, gravar datas... Para mim cada dia deve transcorrer livre, assim como as ideias que vêm junto com ele. Para que atribuir um fardo a uma mera data? Para que aprisionar um dia à uma lembrança? É pesado demais pra um intervalo de 24h; céus!
Mas voltando à nuvem, confesso que já estou perdendo as rédias da minha paciência. Ela fica aqui, logo em cima da minha cabeça; crescendo, crescendo, crescendo. Não chove, não molha, não se desfaz, não muda de forma. Sempre negra, densa e fechada.

O que mais me incomoda é que todos fazem questão de vir me alertar, mostrar, lembrar. Droga! Já sei, já sei!, mas o que posso fazer? Digam-me, o que faço? Não sei como ela veio parar aqui, não sei o por quê e nem como removê-la daqui de cima.
Ando sempre com um guardachuva a tiracolo, sempre desconfiado, atento; vai que ela resolve desaguar? Mas sempre acabo me distraindo com qualquer outra coisa. Acho que ela fica esperando uma distração maior, que realemnte me faça esquecer que ela está aqui, logo acima da minha cabeça, para então atacar.

Certo dia, um amigo poeta, arriscando-se na carreira de médico, chegou ao seguinte diagnóstico: "Isso é mal de ideia acumulada. Assim que conseguir despejá-las, esse algodão negro aí se dissolve. Vá por mim.". Outros disseram que eram as preocupações da idade madura. Não sei em que diagnóstico devo acreditar, sinceramente.
Mas enquanto ela não chove, nem molha, nem se desfaz e nem muda de forma, terei que aguentar os burburinhos, as piadinhas, os olhares e a desconfiança de que a qualquer momento, num menor vacilo meu, ela despeja tudo que acumulou.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Talvez seja tolo...

Me falou isso sem que ao menos eu precisasse abrir a boca. Acho que a inquietação e a confusão estavam estampados e em letras garrrafais, bem na minha testa. Ele estava concentrado em sua pescaria; mas nem assim errou na medida de suas palavras:

- O que tens visto nesses últimos dias, meu caro?
Algo insano o suficiente para te convencer que você está louco, ou agora que você enxerga que tudo pode "plantar bananeira"?

- Não é só que...

- Ah! vamos! Uma pitada de loucura evita os excessos de tolices.


Ao ouvir isso, fiquei pensando se sou um tolo por ainda não saber lidar com as surpresas da vida, ou se sou tolo por aceitar um conselho de uma pessoa que além de ter sua sanidade à prova, estava pescando.
Um dia descubro...

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Coisas do Mundo Mudo



Fiquei sabendo da existência dele há pouco tempo, através de um grande amigo meu, em uma de nossas conversas filosóficas de bêbados de bar.
Contou-me sobre um Mundo mudo. Confesso que no início fui um pouco cético: nossa credibilidade já havia se rendido para um grande teor alcoólico no sangue e suas leotrias infantis. Como confiar num sujeito que delira diante dos efeitos das doses do uísque? Mas quando ele começou a explicar, gesticulando e quase desenhando numa lousa flutuante e fictícia, fui trocando a incredulidade por uma convicção de que meu grande companheiro estava em seu juízo perfeito.

Começou explicando-me que nesse Mundo, não era preciso dizer nada para que as pessoas pudessem se comunicar.

Obs.: Isso eu já tinha percebido pelo nome: “mundo MUDO”; questão de lógica. Resolvi não interrompê-lo com essa observação indelicada. Ele estava em êxtase por minha curiosidade e queria me explicar os detalhes para que pudesse entendê-lo. Bom amigo.

Segundo ele, existia uma lei que proibia que as palavras fossem proferidas. Achei um absurdo: ninguém podia falar? Que coisa chata! Olavo riu e explicou que a maioria das pessoas reage dessa mesma maneira, e continuou. Disse que essa lei foi criada após os mais sábios da cidade chegarem a conclusão que na maioria das vezes, palavras ditas em momento errado, à pessoa errada, na medida errada trazia conseqüências enormes e muitas vezes, irreparáveis. Então, acharam melhor evitar situações assim.
Tudo agora deveria ser através dos gestos, dos olhares, dos sons, cores, gostos, cheiros... Explicou-me que no começo foi difícil, pois nem sempre se tem paciência para ler as intenções, os desejos, os sentimentos do outro. Mas com o tempo, tudo ficou mais fácil. A harmonia, cumplicidade, intimidade eram invejáveis.

Fiquei encantado. Perguntei ao meu amigo onde fica esse maravilhoso mundo. Ele explicou que fica mais próximo do que pensamos, mas exige um pouco de cada um. Me disse que esse mundo fica mais próximo quando corações estão acorrentados um ao outro. E parou de falar do Mundo Mudo.

Acontece que ultimamente, nossos corações andam em carne viva, tentando se salvar em doses e doses e doses de leotrias alcoólicas.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Cousa de língua...ah se é!

NADA. ADA. Cada. FADA.
Palavra . TRAVA. CRAVA. LAVRA.
TRÁS. Faz. RAPAZ. FULGAZ.
IDO. SIDO. TIDO. Sentido.
VINDA. DINDA. Ainda. LINDA.
VÊ. Que. DÊ.
LESSE. DESSE. NESSE. Esse.
VEJA. Seja. EJA. BEIJA.
Deslocado, FALADO. MOSTRADO. INVEJADO.
FUNIL. VIRIL. Infantil, BRASIL.
VOU. DOU. SOU. Ou.
Não. MÃO. PÃO. CÃO.
CAÇA. RAÇA. Faça. TRAÇA.
VIVIDO. Sentido. ESQUECIDO. FALIDO.
NENHUM. UM. Algum. ATUM.



Por favor, não estranhe! Peraltices da língua, que insiste em ir atrás da métrica, do ilógico e da rima. É assim mesmo!
Acredito que assim como a minha, sua cabeça já fez nó. Estou até tonta de tanta pompa. E ainda caí nessa cousa zombada de língua travessa e afiada.
Tem dó!

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Um samba pra azular

E no enredo do meu samba
eu sou a porta bandeira, o mestre sala e o bamba.
Do meu sorriso faço estandarte.
E sambando e cambaleando,
vou distraindo a verdade que insiste em me acordar do faz de conta.

Nem sempre se pode rimar e ignorar...
Mas vira e mexe, a gente pode cantarolar pra azular o dia.
A vida é muito curta para ser pouca.





(Desculpem a ausência. Os últimos dia foram caprichados; ô se foram)

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Do que vem à mente e vira um punhado de palavras.

Nem toda genialidade é coerente e/ou compreensível.
Isso pode variar conforme os olhos e para onde estão olhando.
Às vezes, é preciso se desprender da lógica e do real; é preciso querer ir além do que se pode entender.
Porque a depender da fome e da sede, o horizonte pode se tornar finito.


terça-feira, 18 de agosto de 2009

Ser de gêmeos à flor da pele

Indecisa. Essa pode ser a primeira palavra que me viria a mente para definí-la. Não é que não saiba o que quer; mas é por querer tanta coisa que nem sabe por onde e pelo que começar.
Ela se enche de orgulho ao dizer que é do elemento ar. Isso explica o fato de sempre encontrá-la nas nuvens, viajando e conversando com seus botões. Mas não pensem que ela não mantém os pés no chão: a ingenuidade passa longe dos seus olhos.

Apesar da sua facilidade para se expressar, não ousa falar sobre o que sente. Falar da intimidade a amedronta: fica completamente perdida diante das possíveis exigências emocionais. Não gosta nem de pensar em se sentir presa a uma pessoa ou a um lugar, e por vezes se torna volúvel e superficial. Sente que seu espírito é livre. Talvez nem ela mesma consiga mantê-lo em seu corpo. Mas, vez ou outra, mergulha sem calcular, sem paraquedas; quer ir fundo, fundo e fundo. Desconfio que tenha asas.
Decidida de um jeito que beira à teimosia, jamais tomará um trem se puder voar. Jamais ficará calada se puder falar. Jamais irá se recusar quando puder ajudar. E jamais andará quando puder correr. Sua máquina pensante tem tantos pensamentos e seu músculo pulsante tantas esperanças, que talvez ela precise de um computador para conseguir classificá-los. Ou talvez precise apenas de alguém capaz de correr ao lado dela e sonhar junto.

Mas enquanto ela não tem certeza se hoje faz a assinatura da TV a cabo ou da revista bacana, se vai ser azul em vez de cinza, ou café com pão em vez de massa, vai continuar a pensar que tudo isso não passa de mais um dia que seus nervos geminianos lhe afloram na pele. Vai entender aqueles que oscilam constantemente...

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Brisa, voo, menina-papel



E foi justamente numa noite de agosto, nem muito quente nem muito fria, que tive que encarar o adeus em forma de abandono.
Os armários estavam vazios. Não tinha sobrado vestígio dela em canto nenhum. Levou embora escova de dentes, sorriso, roupas e ela. Quando cheguei me deparei com uma lacuna em toda casa.

De tempos em tempos, vou esquecendo vagamente de como era essa casa com a malemolência dela. Nessas horas, me pego aqui, como agora, novamente inerte no sofá, olhando fixamente para uma moça que está ao meu lado nesse porta-retrato.
E me pergunto: será que foi aquela brisa que deixei entrar pela janela que levou a minha menina-papel?

Não sei. O silêncio teima em fazer birra e insiste em nada me contar. Nada mesmo...

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Da condição de ser de carne e osso...



- E me perdoe se não escrevo tão bem quanto se esparava. Mas é que, às vezes, essa condição de mero mortal me atrapalha e muito! Ser feito de carne e osso, é um ofício árduo e daqueles bem complicados. Aprender dia após dia lidar com a dúvida, a falta, a nostalgia, a tristeza, a alegria desmedida, com o real e o imaginário, é uma tarefa que passa longe do que se pode chamar de fácil. E quando tudo se embaraça e resolve acontecer ao mesmo tempo...Céus! Chego a duvidar de minha sanidade.
Aliás creio que minha lucidez já tenha me abandonado há tempos. Esses últimos dias, provam de maneira incontestável, que tenho estado fora do ar, fora de mim.
Aposto que se fosse um "deus" não teria que quebrar tanto a cabeça e ainda sim ter que mantê-la inteira. E ainda me incomoda essa condição de mortal.
Osso, carne, pulso, artérias, veias, sangue fervendo. Pés, mãos, ouvidos, boca, razão. Olhos, cheiro, pele, dedos, amor. Coxas, joelhos, pescoço, paixão. Ódio, dentes, cabelos, narinas, desejo. Para quê tanta coisa em uma simples pessoa? Será que não foi pensado o quão difícil seria e é administrar tudo isso? Chego a pensar que não dou conta disso tudo sozinho. Se eu fosse um "deus"...

Não. Provavelmente morreria de tédio. Não me imagino divino e perfeito. Vai ver que é porque a perfeição passa distante das pessoas feitas de carne e sangue fervido. SE perfeito, seria privado dos meus sentidos. E cá um segredo: reclamo, mas adoro todo esse turbilhão de sentimentos, sentidos, gosto, cheiro, imagens que acontece todos os dias. Talvez se eu fosse um "deus", eu seria insípido, arrogante, egocêntrico e extramente mal humorado.
Com certeza gosto desse jogo, de sentir, ouvir, falar, cheirar, tocar, hesitar, seguir, abandonar, sentir medo, se encher de coragem... E qualquer verbo que me dê a sensação de que sou vivo, falho e mortal.

E perdoe-me. Continuo não escrevendo tão bem quanto se esperava. Mas agora sinto-me aliviado e sortudo por está na condição de mero mortal. Por ser feito de carne, osso e sangue fervido.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Bertold Brecht, uma possível transcrição e uma falta ideia


LISTA DE PREFERÊNCIAS

Alegrias, as desmedidas.
Dores, as não curtidas.
Casos, os inconcebíveis.
Conselhos, os inexeqüíveis.
Meninas, as veras.
Mulheres, insinceras.
Orgasmos, os múltiplos.
Ódios, os mútuos.
Domicílios, os passageiros.
Adeuses, os bem ligeiros.
Artes, as não rentáveis.
Professores, os enterráveis.
Prazeres, os transparentes.
Projetos, os contingentes.
Inimigos, os delicados.
Amigos, os estouvados.
Cores, o rubro.
Meses, outubro.
Elementos, os fogos.
Divindades, o logos.
Vidas, as espontâneas.
Mortes, as instantâneas.


Adoro esse poema de Brecht. Apesar de muitos dizerem que a versão em alemão é um pouco diferente, não muda a minha preferência por ele.
Já pensei em transcrevê-lo numa versão minha, com moldes meus. Mas, seria audácia demais (ou não!) querer modificar o belo em sua forma mais-que-perfeita, mesmo este não sendo em pretérito.
Na verdade ainda não fiz por falta de ideia. Tenho usado todas para continuar me sustentando e mantendo viva. Fato.

P.S. Hoje é sexta-feira!

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Uma heroína; diferente, mas ainda sim heroína...

É de menina que nasce em Dinorah a vocação para a promiscuidade. Despertava nos meninos, os pensamentos mais audaciosos, ardentes e impróprios à idade. Seu cabelo grande e negro, exalava um perfume que parecia embebedar os pequenos.
Na adolescência, quando as curvas começaram a delinear e a valorizar seu corpo, percebeu o encanto que causava nas criaturas tolas do sexo masculino. Vangloriavam-se só por ter um falo! Patéticos!
Fazia questão de realçar o colo com um profundo decote, o que se tornava um banquete para os olhos famintos da rapaziada. Provocava e invadia os sonos molhados dos garotos inexperientes. Incitava, desafiava a experiÊncia dos homens crescidos, dos mais tradicionais aos mais sórdidos, sem esquecer daqueles de idade mais avançada. Gostava de ser olhada, venerada, bajulada. Gostava dos presentes, dos mimos, das serenatas em sua janela. E não se incomodava com as línguas e os dedos a apontá-la das beatas que a condenavam por não esconder seu corpo. Não tinha a menor vocação para ser santa e não iria cobrir a beleza que tinha. Pensava somente que a inveja um dia iria corroer essas desocupadas.

Quando finalmente se tornou mulher, foi mais odiada ainda. Os homens iam a sua casa procurar abrigo, afago, sua pele cheirosa, sua pequena camisola de renda e outras coisas que não encontravam nas esposas. Em casa só achavam o grito das crianças, a confusão de panelas na cozinha e obrigações de pai e marido. E a noite, quando pensavam em aproveitar a vida de casado, tinham que se contentar em apenas ouvir as demoradas orações de todo santo dia. Na casa de Dinorah não. Encontravam uma noite inebriante de prazer. Desbravavam-se por todo seu corpo voluptuoso, parecendo que era esse o último dia de suas vidas.

Tudo estava em sua rotina na cidade. A modorra de sempre, os velhos na praça a curtir o ócio, tudo normal. Até que um bando de desordeiros invadiram e apavoraram toda a pacata cidade e seus habitantes. Quebraram, sujaram, roubaram, causaram o caos. O líder do bando, um sujeito de pensamentos imundos e sem caráter nenhum, ordenara aos seus subordinados que matassem todos, sem motivo, por pura diversão.
Foi quando avistou Dinorah. Sentiu seus instintos sacudindo-o por dentro e um desejo súbito de ter aquela carne ao seu dispor.
Decidiu então dar àquelas pessoas uma chance se ele, em troca, pudesse desfrutar da bela mulher que tinha aos olhos.
Desesperados, todos suplicaram a ela que aceitasse o acordo. Suplicaram que ela, a odiada puta, os salvassem. Comovida e pela primeira vez contrariada em saciar um homem, atendeu ao pedido do povo e dominou seu algoz. Pela primeira vez, ela desejou que a noite passasse depressa. Ele, um animal insaciável, lambuzou-se e deleitou-se a vontade. Dinorah teve de controlar seu asco e satisfazê-lo.

Quando surgiu o dia, sentiu o alívio invadindo o quarto junto com a luz do sol. O sujeito medonho se levantou, arrastou seu bando e sumiu no mundo.
Dinorah foi até a janela, respirou fundo e ficou olhando a movimentação lá fora.
Foi encarada pelos mesmos olhos de repreensão e ódio de antes. Segurou o choro, e pensou no quanto eram ingratos. Mas logo em seguida sorriu. Não podem fugir da verdade dos fatos: a puta se tornou heroína!


[Texto baseado na história de Geni, da canção "Geni e o Zepelim" de Chico Buarque]

sexta-feira, 31 de julho de 2009

A ladra e colecionadora de sorrisos...


Já se passaram alguns meses desde que a vi. Foi durante um passeio meu ao parque. Estava fotografando as cenas que mais me chamavam a atenção naquele dia. Gosto de colecioná-las. E foi em uma dessas fotos, que ela me chamou a atenção.

Menina, pernas de pinça, ar peralta. Olhinhos tortos. Não ficava parada nem por um só minuto; não conseguia. Ora pulava, ora corria, ora dava cambalhotas na grama. Desceu pelo escorregador, voou no balanço e se empinou na gangorra. E não se cansava.
Chamava a atenção com suas traquinagens. Tinha uma energia que parecia interminável.
Foi então que percebi quem realmente era. Dizia coisas engraçadas e contava histórias com finais inesperados: a princesa desistiu do trono e casou com o bobo da corte; o guerreiro mata o dragão com um golpe de espada, mas morre de medo de uma barata...Desatinos! Finais desatinados e desparafusados. Mas fazer o que? As histórias são dela.
Inventava brincadeiras, joguinhos. Não parava, não cansava. Sempre em moviMENTO, MOvimento, MOviMEntO, moVIMento...

Decidi fotografar a peralta. Foi aí que descobri quem realmente era: uma ladra! Uma ladra de sorrisos!
Agora estava claro pra mim o por quê de todo aquele show. Era uma distração. Uma forma de arrancar sorrisos dos seus espectadores. Mas pra que? Pra que roubar?
Curiosa e querendo uma explicação, fui ao encontro dela. Chamei pedindo que me contasse uma história; puro pretexto pra ela se aproximar. Quando estava, perto, puxei-a pelo braço e lhe indaguei. Perguntei porque roubava os risos.
Ela olhou para um lado, depois para o outro; pediu que a soltasse e me chamou no canto. Foi então que ela me explicou tudo.
Ela tinha um medo terrível de que um dia ela parasse de ver graça, cor nas coisas da vida; tinha medo de desaprender a sorrir. Então decidiu que roubaria todos os sorrisos que pudesse e os colecionaria. Assim, quando acontecesse de não esboçar mais nenhum riso, pegaria algum da coleção.

Olhei bem para ela. A ingenuidade dela estampada nos olhos...
Não segurei e rir do desejo da menina. A travessa agilmente me roubou e saiu correndo.
Não fui atrás. Sei que estará em boas mãos.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Engasgo...

Nos últimos dias, sinto que tem um nó na minha garganta que me faz ficar assim, muda.
Serei mais ousada: há um engasgo nos meus milhões de neurônios.
Tenho certeza de que é isso...


sexta-feira, 24 de julho de 2009

Hoje, sexta-feira



Toma um gole caprichado e abandona o copo sobre a mesa. Whisky sempre lhe ajuda a acalmar os ânimos. Precisava escrever alguma coisa, qualquer coisa; tinha um prazo a cumprir. Olhou novamente para a caneta, depois para o papel em branco; mais uma vez para a caneta, para o papel, na tentativa de que lhe brotasse repentinamente as palavras, que por sinal, já deveriam estar arrumadas ali.
No rádio, um disco tocava Janis Joplin que, com toda sua melancolia e numa voz deslumbrante, lamentava o fato de ser tão só mesmo cercada por milhões. Também era só naquele apartamento enorme onde sozinho mora; mas não arriscava cantar sobre sua solidão. Preferira ser escritor, contador de histórias ou seja lá o termo que esteja agora na moda. Criava seus personagens de acordo com seus anseios e com a ideia do que poderia ter sido se esse não fosse seu ofício. Vestia-se com o personagem e durante um romance, uma poesia ou um conto, era dele a forma, o desejo, a vida, os amores. Foi marinheiro, ministro, jardineiro, político, lutador, bandido...

Voltando a olhar a folha de papel, ainda em branco, indignou-se por se mostrar hoje, em plena sexta-feira, impotente, diante de uma mesinha simplória de escritório, uma miserável caneta com tinta ao meio e bocal mordido e o papel já amassado de tantas tentativas em iniciar um parágrafo que fosse. Caía a noite e já, já começaria sua maratona de boemias junto com seus companheiros de copos, botequins e amores repentinos. "Anda, vem cá logo de uma vez, D. Inspiração. Adianta, folgada, que já são 18:30". Mas sabe que não vai ser atendido. Sabe que a Dona aí solicitada gosta de fazer manhas e charminhos. É exibida: aparece na hora que bem entender e lhe der na telha; às vezes em situações um tanto quanto estranhas. Mas é melhor evitar entrar em riquezas de detalhes. Sejamos discretos.

Decidiu falar sobre a loucura. Até pensou em usar a definição de um amigo seu, também escritor, para ter mais credibilidade e soar poético, já que o tema pertence à seção de "temas delicados". "A loucura 'é o vácuo entre a criação e a obra criada'". Porém, ao rabiscá-la no papel, notou estático tal afirmação. Muitos irão discordar, sabe disso. Mesmo que não tenham opinião alguma, irão discordar. Porque nunca nada é coerente bastante para alguém; por mais que um aprove, há sempre aqueles que estarão prontos para se obstinarem. Discordam porque querem parecer mais sabidos e só por isso. Aposta uma rodada no bar do Chico. Há sempre a necessidade, o desejo de contrariar gratuitamente. Discordam porque seria chato se concordassem com tudo. Tem que dizer que tem motivo? Não precisa, pois nem os próprios sabem o por quê. Discordar deve estar na moda, ah se deve estar!

E interrompeu o pensamento com o soar da campainha. Eram seus fiéis escudeiros de farras e noites perdidas que vieram em seu resgate; vieram lhe tirar desse engasgo diante da folha de papel. Pegou a carteira o casaco e se pôs a sair, olhando uma última vez os rabiscos. Ah, chega! Iria é beber, rir, cantarolar, esquecer, lembrar, que tudo isso parecia-lhe bem melhor; e quem sabe, tropeçar em alguma situação viva que merecesse se imortalizar com uma caneta mordida e palavras ajeitadas numa folha em branco. Mas não quer pensar nisso; quer agora uma dose dupla do melhor whisky, um samba e, por que não, mais um amor de bar? Afinal, hoje é sexta-feira.

terça-feira, 21 de julho de 2009

O Menino Passarinho: Souvenir para Barros

Foto "furtada" do acervo dele, rs.

Existem escritos que deveriam ser enterrados para que só futuramente fossem lidos. Não entendam como egoísmo ou mero capricho de quem os escreveu. Apenas pensem na seguinte comparação: algumas frutas só podem ser consumidas após maduras, não é mesmo? Quando estão verdes, correm o risco de serem rejeitadas sem ao menos mostrarem seu verdadeiro sabor. A mesma coisa acontecem com as palavras. Vez ou outra, não estão prontas para logo serem lidas. É preciso que amadureçam; que seus leitores amadureçam. Mas vamos a ele: ao Menino Passarinho.

A idade me foge à memória nesse exato instante, mas arrisco-me a lhe dar os anos exatos de um garoto-homem. Isso mesmo, garoto-homem. Apesar da idade lhe fazer homem, ainda tem a alma de menino, com um ar despreocupado. Não sei se é mesmo assim tão tranquilo. O que sei é que ele contagia quem está a sua volta; é como se tudo tivesse uma solução, ainda que pareça incoerente.
É tímido e não precisa nenhuma análise psicológica para notar. Os poucos diálogos que dele saem, denunciam essa timidez. Ou seria cautela? É pode ser também; agora pensando por esse ângulo...

Tem olhos bastante curiosos e observadores: olha tudo atentamente procurando ver além do além. Acho que é pra bolar suas teses (também tem teses sobre uma porção de coisas) ou quem sabe pra compor suas canções.
Sim, ele canta. Canta mais do que fala. Canta e toca mais do que fala. Acho que é assim que espanta seus males; por isso o chamo de Menino Passarinho.
Mas é um "pássaro" diferente: não sabe assobiar e nem voa alto. Por ele seria um papacapim frustrado. Para mim, esse ainda não é o pássaro dele. Não sabe assobiar, mas aproveita que sabe soprar e toca gaita. Não voa alto, mas tem ousadia suficiente para se arriscar em voos rasteiros. Mudou de ideia quando lhe disse isso; com humor, chegou à conclusão de que acabara de tornar-se uma galinha. Não seguramos o riso.
Quer saber? Ele não é galinha, nem papacapim coisíssima nennhuma! É só me dar um bocadinho de tempo e descubro que pássaro o danado é. Ah! se descubro!

Tem uma curiosidade inquieta. Se não existe essa definição, passa agora a existir. Tudo para ele vira conhecimento, fórmulas, cálculos, deduções, conclusões...Muda constantemente, a qualquer hora. Basta descobrir que o que ele achava certo antes, agora não tem sentido algum e pronto: mudou! Ser mutável deve ser uma constância da natureza dele. Tenho cá com meus botões que é um nômade, evitando fixar em si mesmo para não terminar como alguém previsível demais. Não sei e nem sei se ele sabe.
Outra coisa que me chama a atenção no Menino Passarinho é a sua descrição. Não tem movimentos eufóricos ou bruscos; não grita, nem gosta de expôr sua vida como se essa fosse um tipo de boletim diário sobre o tempo. Tenho certeza que, por essa qualidade, é fiel aos segredos das confissões que lhe são depositadas com crédito. Parece-me um ideal confidente.
Não sei se consigo falar do sorriso. Vi poucos; mas do pouco que vi, posso apostar que se assemelha ao de uma criança: ri porque achou graça, não por pura conveniência ou agrado. Diria que... Rá! já sei que pássaro ele é! É um CANÁRIO DA TERRA! Isso! é um autêntico canário da terra! Como não percebi antes?! Céus, não é que descobri mesmo que pássaro o danado é?!

O conheci cantando. Cantando e tocando. Numa tarde de domingo, se me recordo bem. Não o conheço de "longos carnavais", mas senti vontade de escrever sobre o menino que se parece com um passarinho.
Sabe o que falei no início, sobre o escritos que precisam ser enterrados para serem lidos posteriormente para que suas frutas, digo, palavras possam amadurecer? Pois bem, esse Souvenir para o Menino Passarinho é um desses escritos. Enterrarei e quando eu sentir que está maduro, o mostrarei. Ou não!
Vai saber se eu mesma sei...

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Menina das teses de liquidificador I

Não tinha nada de excepcional. Apenas passa por sua cabecinha arteira, ideias que se transformam em teses. Teses de liquidificador, como ela mesmo as chama. Umas claras, outras escuras, outras incompletas; algumas complexas, simples demais, mordaz demais. Varia conforme seu humor, que varia conforme o clima. Tudo seu estava ligado a alguma coisa, mesmo que ela não saiba exatamente a que.
Um pouco confusa, mas qualquer um é; a confusão faz parte da natureza humana. Ela mesma concluiu isso com uma de suas teses. Mas isso já é outra coisa.
De vez em quando tem acessos de sentimentalismos baratos; tudo muito saudável, mas perigoso. Não ousa a criar hipóteses pra essas questões. Sempre termina com dores de cabeça e sem ideia alguma! Só sabe que tudo é muito imprevísivel e que nada, por mais que pareça, é igual.

Não é sempre que divulga o que pensa. É perigoso expôr certas coisas à pessoas que não conseguem ampliar seus olhos pra tentar imaginar o que tem além da linha do mar. Mas mesmo assim, arrisca. Tem esperança de que algum dia elas entenderão o que ela quer dizer.
Já foi exibida, louca, herege, infantil e outros adjetivos temperados com certa hostilidade. Não se irritou, apenas pensou o quão azeda não têm sido essas vidas.
Desanuviou. E ensolarou um sorriso. Outra ideia! Correu pra anotá-la no papel antes que fosse embora na mesma rapidez que chegou.

Falava sozinha na rua, tinha longas conversas com ela mesma refletida no espelho. Frustrava-se com o fato da "outra" não retrucar, questionar o que ela dizia. Mas contentava-se. Pelo menos pensavam iguais.
Não tinha nenhuma credibilidade: mestrado e qualquer outro tipo de especialização passavam longe. Nada, apenas um cobertor de ideias.
Mas, às vezes, conversando com alguns conhecidos seus, que tinham diplomas e certificados, se perguntava se realmente a falta desses títulos a incomodava. Muitas vezes não sabiam responder uma simples questão ou se assutavam com uma simples constatação dela.
O que adianta todo conhecimento se continuam cegos? Não entendia, mas não se esquentava muito. Quebrar a cabeça não era nenhum tipo de passatempo pra ela. Acha desnecessário.
E assim vive a menina. Não é pretenciosa, nem acha que sabe tudo. Só quer continuar formulando suas teses, mesmo que não façam sentido pra ninguém.
E anota tudo em um caderninho. Quem sabe um dia eu consiga publicar aqui alguma de suas linhas de pensamento? Mas escondido; ela não gosta de se expôr muito.

Uma coisa eu sei: ela conhece a arte de extrair do silêncio uma porção de coisas! disso eu posso garantir com toda certeza!

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Colo




Com um falar baixinho, vascilante e tímido, ele deixa escapar pra ela uma confissão abafada em forma de pedido:

- Mesmo que a lucidez e a razão dos meus dias obstruam as sensações incertas dos meus sentidos, quero que sejas suficientemente insana pra roubar de mim tal sensatez, tal segurança.
É preciso que eu crie imagens suas que talvez outros olhos nunca possam enxergar da mesma maneira; sentir cheiros que tragam afáveis lembranças; experimentar gostos tão particularmente seus, quanto os pensamentos que por aqui dentro passam enquanto os saboreio. É preciso que eu lhe apalpe, aperte, toque e acaricie para que meu tato grave as texturas de sua pele.
Pois seria eu indolente se tentasse racionalizar o coração enquanto ele está a morrer de amores.

Depois de ouví-lo, ela enlargueceu o sorriso, o olhou e o aconchegou em seu colo por mais uma vez.

domingo, 12 de julho de 2009

Mulherzinha, mas exigente.




Mulherzinha! Mulherzinha de vidinha. Tudo no diminutivo mesmo; precisava destacar a mediocridade que a envolvia.
Não tem amor próprio, nem escolha própria; não tem homem, nem cama. Tudo é de terceiros e quartos. Infinitos quartos. Pelo menos sobrara-lhe o corpo pra chamar de seu. Não, nem o corpo! Nada! É de quem a queira, quem pagasse.
O amor não havia; tesão quem sabe. A escolha é dada a quem paga mais. As camas variam de motel em motel: alta, grande, arrumada...E os homens? Delas, das outras. Mas ela quem desfruta, usa os corpos. Corpos grandes, pequenos, viris, másculos, gordos, magros, musculosos; uns tinham mãos frenéticas, outros língua audaz. Tinha também aqueles que com os olhos a despiam, invadiam e degustavam. Mas nenhum prazer era seu. São deles, e somente deles.
Mas do que pode reclamar? É uma puta. Daquelas que sabem exercer o ofício com todo o profissionalismo e frieza possível. É daquelas que você acha fácil nas esquinas, nos bares e bordéis. Mas só os melhores. É exigente!
De vez em quando, se doa de graça a qualquer um que aceite a caridade. É mortal, também precisa se liberar, fantasiar, ter prazer. Taí, de vez em quando tinha prazer próprio.

Acha tudo fulgaz. Tudo! Os sons, os olhares, as pessoas, as palavras. Principalmente estas: as palavras! Seus efeitos, para ela, têm pouca duração e quase nenhum impacto. Com a vida que escolheu, não pode se encantar com o que lhe é lançado em sussurro aos ouvidos. Mas secretamente, quando encontra-se só, cria um homem para ela que lhe diz aquelas mesmas coisas. Mas agora pode-se permitir ao encanto, ao êxtase, quiçá ao gozo.
Mas não pode lamentar da vida que tem. Ao menos sobrevive, paga as contas.
É claro que amou! E foi por justamente amar que se tornou meretriz. Na verdade, foi mais pelo seu covarde e, digamos, repulsivo medo de amar; medo de se permitir, se entregar aos delírios e as impulsividades de um amor juvenil.
Mas agora era tarde, e não lamentava mais. Na verdade detestava e odiava bancar "a coitadinha". É o que é: uma puta e pronto! Por escolha mesmo.
É daquelas que se pode ver que nasceu para o ofício. É daquelas que você acha fácil nas esquinas, nos bares e bordéis. Mas só os melhores.
É exigente. Pelo menos a exigência é por vez DELA!

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Desabafos sem afagos...


Nem sono, fome, culpa e nem dor.

Nem ciúmes, premência, apego e pressões; expectativas, juras, arrecadações, recebimentos; sem vergonha — e sensível. Nem medo e nem controle, nenhum ódio e muito menos, juízo. Sentindo-me íntima do incerto, do instável, do insólito...
Buscando a essência de cada coisa nela mesma. Compreendendo as razões também daqueles que não conseguem me compreender. Podendo até ser julgada por minhas atitudes desprendidas e por meu comportamento fora de padrão...
Aspirando, espiando e suspirando. Devagarzinho. Olhando. De novo. Mais um pouquinho. Reviro o olho e viro pro lado. Nada que me prenda.

Nem e sem. Solta, voando, plainando, pousando. Ora menina arteira, ora mulher vivida. Alto e baixo; montanha russa. A sensação de que falta algo e ao mesmo tempo de estar completa. Não me leia nesses dias turbulentos. Nem eu mesma arrisco-me a tentar. Não amor, não mordo. Mas também não afago, não sussurro, não abraço.
Só respondo. E quando respondo.
Não ligue, honey, estou bem. É só fase; TPM creio. Ou não. Mas vai passar, vai voltar e vai passar...e assim vai. Indo e vindo.

Por que tudo isso?
Porque tenho um coração e uma vontade de "nem sei" do tamanho do mundo. Exagero, talvez. Mas acontece que não caibo em mim. E isso futuca, incomoda, muda, fica igual. E conter isso tudo aqui dentro, seria burrice. Por isso expando, recolho-me e calo. Calo porque não sei o que dizer. Na verdade nunca sei. E ainda esse medo de perder, de deixar...

E não me abrace honey! Hoje eu não afago, não sussurro, não abraço. Só penso, só divago...Só afasto.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Um acaso, um elevador, um encontro




Só conseguiu sussurrar um "oi, tudo bom." quase que engasgado e logo depois sentiu suas bochechas quentes. Corou. "Droga, você parece uma idiota", recriminava-se. Enquanto ele deixava o elevador, ela pensava em um milhão de coisas pra chamar a atenção, puxar papo. Não fez; ficou imóvel assistindo ele cumprimentar o porteiro e as portas do elevador se fecharem.
Não sabia nada sobre ele, somente que morava ali no prédio; começou a pensar por que estava se sentindo assim, tão besta, tão leve e pesada ao mesmo tempo. Queria saber por que essa ansiedade em esbarrar nele de novo. Juntou as peças e a sua expressão ficou idêntica a de quem cai numa armadilha; e meio que se diagnosticando gritou: "Puta merda,não acredito. Tô apaixonada?".
Entrou em casa, jogou as chaves sobre a mesa e foi logo pro banho. Depois, com uma taça de vinho tentou relaxar, ignorar aquele estranho que insistia em aparecer de intruso nos pensamentos dela. "E se eu virar clichê?", se perguntou enquanto preparava qualquer coisa pra comer. Não, não podia estar apaixonada. Não tinha tempo. Suas horas eram voltadas ao trabalho e só. Mas infeliz ou felizmente, não sei ao certo, nem tudo pode ser programado.
No dia seguinte, depois de um dia de cão no trabalho, cansada e estressada, passou na portaria pra pegar sua correspondência e foi em direção ao elevador. Quando as portas já iam se fechando ouviu alguém gritar "Segura pra mim". Com a cabeça na lua e sem prestar atenção, segurou o elevador e foi aí que sentiu as pernas tremerem. "É ele" gritou tão alto por dentro que pensou que ele tinha escutado. Olhou discretamente pro estranho e ficou admirando como era bonito. Tinha uma cara de homem, mas a aura de menino. Tinha traços um pouco fragéis e ao mesmo tempo marcantes; sua expressão era tranquila.
Terceiro, quarto...oitavo andar e nada. "Em que andar ele mora?" ficou se perguntando. Décimo andar; era o dela. Antes de pensar soltou um "tchau" meio que catado. Mas foi surpreendida.

Ele também ficou ali no décimo andar. E pra surpresa maior lhe respondeu "Tchau por que vizinha, se moro ao seu lado?" e sorriu. Como assim? desde quando? Como nunca percebeu? Sorriu de volta pra disfarçar. "Vai, chama ele pra tomar um vinho...fala alguma coisa...".
Mas foi ele quem lhe falou:
- Aceita jantar comigo? Olha sou eu quem vou cozinhar e cá pra nós, sou um bom cozinheiro; e deu risada.
Entrando na brincadeira ela perguntou:
- Vai convidar uma estranha pra jantar com você? Como sabe se sua vizinha não é um Serial Killer?
Ele a olhou de um jeito tão meigo quanto soou suas palavras:
- Acontece que de vez em quando eu acerto, quando sigo minha intuição.




[Ai,ai...seria tão bom se tudo acontecesse assim, certinho. Ou não. Texto-presenteimprovisado pra você, Olhos de jabuticaba. Leia-se nas minhas linhas]

domingo, 5 de julho de 2009

Gaiola

Você nasceu para voar, mas desperdiça toda essa doçura da vida numa gaiola...
Eu também.
Que horror!




Quantas portas tem a tua gaiola?

sexta-feira, 26 de junho de 2009

A pequena da boca carnuda pintada de vermelho





Tenho cá minha suspeita de que tenha sido a boca carnuda pintada de vermelho que prendeu minha atenção nela.
Ou terá sido o sorriso fácil que aparece de minuto em minuto?
Pode ter sido também a rusga pregada na testa, como se tudo aquilo que não fosse dito por ela fosse um absurdo.
Cheia de si a pequena. Tão cheia assim, que qualquer dia desses, cria asas e foge por aí a vagar no mundo.
Quase me contentando que tenha sido isso que me cativou, lembrei-me dos olhos. Nunca vi par de oríficios tão nítidos como o dela. Fitavam, examinavam, sondavam, interrogavam, vigiavam e tudo mais que se espera de dois olhos.
Até então muito pouco para prender uma pessoa que já viu de quase tudo nessa vida como eu. Foi então que olhando mais a fundo, espantei-me.
Ao mesmo tempo em que olha, ideias são fabricadas aos montes. E se vê mais coisas pelos olhos dela. Se vê a inquietação, as memórias, os sorrisos guardados e prontos para serem mandados à boca. Se vê o reflexo dela. E se for mais fundo, se vê o seu reflexo por ela.
Quase perdi o fôlego. E olhe que já vi de quase tudo nessa vida para me encantar assim, mas devo confessar que a pequena me desarmou. Era incrível a transparência retratada ali.

Mas devo adverti-los de que não se deve olhar por muito tempo os olhos vivos. Podem perder-se por lá. Depois de toda a transparência, vem a bagunça. Tudo se mistura e de repente ela vira um enigma. Acho que é uma forma de se defender de estranhos que insistem em invadi-la sem pudor.
De repente tudo se nubla e ela fecha o tempo. A rusga da testa continua lá, mas dessa vez pra mostrar que não está nada satisfeita por tê-la lido sem permissão.
Enche o pulmão de ar, lhe roga uns impropérios e se vai. Pra onde, não me perguntem. Tenho cá pra mim que é uma andarilha.

E é aí que me convenço que de pequena nada tem. É grande, espaçosa, inquieta, bonita, e boca suja.
Até hoje não creio nas injúrias que ouvi daquela boca carnuda pintada de vermelho. E tenho dito!






[Texto inspirado nela, a pequena da foto que, a cada texto dela, me faz viajar e sentir que A vida é beijo doce em boca amarga. É uma afinidade que eu particularmente, não ouso tentar explicar. =D]

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Oferta-se








Oferta-se um endereço, uma garafa de vinho e prosopopéias ambulantes, dissimuladas e despretendidas.
Oferta-se um calor, ventilador, coca-cola e batata-frita.

E oferto também silêncio, barulho, risos e um pouco de filosofia em bandeja.
Oferto um reflexo de mim...

terça-feira, 16 de junho de 2009

De mim, faço poeta!

E no afagar das minhas mãos arteiras, doce é som do ronronar que preenche as paredes.

Aprendi que pra driblar minhas incertezas, minhas divagações, meus anseios descontrolados, meus medos perceptíveis e gritantes, posso usar minhas mãos e a candura que eu nem sabia que existia em mim.

E é assim, afagando os meus dias que tenho amansado os gigantes, que de vez em quando, me aparecem enquanto pisco os olhos.


Foi talvez por isso que, hoje, eu me sinta/faço poeta.






[Pc quebrado, idas a lan house, pessoas barulhentas ao fundo. Esses dias serão turbulentos pra postar =/]

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Tempo, tempo...

Descomplique!

Não é necessário que tudo seja mirabolantemente complexo, complicado.
O que tem demais se for singular?
Ser simples é tão anormal assim?
O tempo que temos aqui na Terra é sempre muito curto para que o percamos com outras coisas além de nós.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Amélia minha. Minha Amélia.





Prendada, renda, laço, fita; bordada.
E o cheiro de rosas dos cachos dos seus cabelos.
Sorriso belo. Córnea de chocolate e avelã.
Doce!

Mãos hábeis; olhos mais hábeis ainda.
Tesoura, lã, linha, ponto, agulha.
E o cheiro do café com pão matinal.
Receita, bolo, forno, fôrma e forma.
Avental colorido.
Uma flor de plástico, meio de mesa.
Cama pronta; cores em forma de roupas no varal.

O relógio e o seu "tic-tac" impera na cozinha.
Delicadeza em seus gestos frenéticos.
Arroz, feijão, salada, galinha.
Prato cheio, barriga vazia.
E me espera no portão com a candura estampada.
E as juras de paixão guarda para meia-noite.

És dona de mim.
És mãe, filha, mulher!
Ai, Amélia. Minha Amélia!
Qua falta me faz seu sorrir pontual.
Não sinto mais o cheiro das rosas. Por onde andas?
Que falta você me faz...

Mas faço de mim culpado sem pena.
Matei a Amélia, aos pouquinhos, todos os dias.
E ela não aguentou. Sua alma inquieta não suportou.
Voou.
Pra longe. Se embrenhando pelo mundo.
Cansou brincar de casinha.
A sede de experimentar os ventos nos cabelos foi maior.
Cansou de ser só mais uma "mulherzinha".
Ai, Amélia, minha...

terça-feira, 2 de junho de 2009

Medida de mim...

Nada me sobra, nada me é privado.
Tenho a exata medida de todas as coisas, um conjunto vazio, uma mestre pupila de Mim, navegação louca sem destino velejando numa breve eternidade — uma cordilheira de razões.

Sou portanto o pico de mim mesmo.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Carne




Passeia tua mão sobre mim sem medo
Deixe o pudor na porta da frente, meu bem
Eu garanto a você que não vai precisar dele
Me faça puta e dama
Acaricie ou contraia meu corpo, tanto faz;
Só quero ter certeza que sua respiração vai se desritmar.


Não, não. Não se preocupe se está certo
Não há maneira certa ou errada
Deixe a sua carne gritar!
Quebre essa imagem de santo do espelho
Dê lugar a sua luxúria!
Não há nenhum mal se permitir ao pecado uma vez ou outra.


Seja frenético, selvagem, insano;
experiente e iniciante;
Convicto e vacilante.
Seja um animal indomável possuindo meu corpo, minha alma.
Carregue a lascívia em tua língua
E com ela molhe os sertões do meu corpo
Recolha as gotas de suor.

Vem, anda, encosta a tua pele na minha!
Há de ter coisa mais inebriante que esse teu cheiro de sexo, prazer e perfume barato?
Me sussurre canções conhecidas, e desconhecidas também
Fale baixinho, palavras baixas e altas
Grite quando sentir-se entrando em mim
Sussurre de novo o quanto é bom me sentir por inteira
Diga que adora o fogo dessa minha paixão avassaladora
Tenha coragem de me apalpar com força
Tenha medo quando eu te engolir com os olhos!


Se doe e me tome
Aos goles, por favor
Gosto de viver aos borbotões.
Diga que precisa ir embora pra que eu implore que fique.
Diga que fica, pra que eu possa te expulsar.
Ignore minha contradição
Me encurrale com força na parede
E use-me como sua.
Hoje não importa se não sou eu que estou no comando.

Perder o controle de vez em quando se faz necessário.
Principalmente se for nas tuas mãos meu bem!
Mas só não me ofereça o pouco, o suficiente
Não suportaria ter de me contentar...










Pra ler ouvindo "Viva La Vida", Coldplay. (Passei a manhã cantando alto e dançando freneticamente, repetindo um milhão de vezes.Rá!)

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Exageros à parte...

Humm... acho que vou me apaixonar por uma semana...
Ou será que vou querer por toda a eternidade?
Ou talvez por apenas algumas horas?
Dez, vinte minutos; não seria tempo suficiente?
Não tenho a mínima idéia. Realmente, não sei.
E seria uma irresponsável se me aprisionasse a esse tipo de promessa.
Entendam que não sou eu quem determina o tempo, a intensidade e a duração dos meus amores:

É o meu músculo coração.


Ele é independente; é completamente livre, e faz o que lhe dá na telha.
Afinal, se eu sou livre, por que só ele não seria?
Por isso bebo aos goles, sou impulsos mil e não tenho endereço fixo.

Sou incontáveis exageros!

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Quando se precisa escrever pra não implodir...

Tudo vazio.
Algumas coisas esquecidas por causa da pressa. Mas são só palavras não usadas, uns discos empoeirados e uns sorrisos de emergência. Ah! Também tem uma cortina azul-turquesa brincando com a brisa que entra pela janela que foi esquecida aberta.
O resto está completamente despovoado.

Não, não adianta gritar.
Só vai ouvir a sua voz ecoando por todos os cantos.


Agora o silêncio invade porta adentro e tudo fica um pouco sorumbático.
Me faz um favor? Apaga a luz pra mim quando sair? Obrigada...

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Qui sait une chanson n'est pas cliché?















Joues, car le vent joue avec vos cheveux,
elle danse dans le rythme effréné des vagues.
Et l'odeur de la nouvelle, la possibilité
Excite davantage leurs impulsions, les impulsions nerveuses.


Ah! La liberté ...










Repeti isso o dia todo. Não sei porque encasquetei nesse versinho que saiu do acaso enquanto eu brincava com as bolinhas de leite (leite ninho é o único que ainda faz bolinhas, mimimi) no café da manhã, que agora é sem hífen por causa das novas regras ortográficas. Por sinal, quem foi que resolveu mexer nelas, hein?
Voltando ao meu versinho....Repeti o dia todo. Em francês só por puro capricho meu. Ora vamos, um capricho de vez em quando não mata, não é mesmo?

Espera um pouco. Lendo agora com todo esse negrito e itálico, não é que daria uma boa canção? Mas não agora; mais tarde. Agora preciso comprar mais copos descartáveis.

terça-feira, 19 de maio de 2009

Diz...não diz!

Não, não tinha nada a dizer.

Na verdade tinha, mas a raiva se fez nó. Engoliu as ásperas palavras que ia esbravejar; desceram arranhando-lhe a garganta. E no estômago, um embrulho que só.
Sim, tinha muito a lhe dizer!

Tinha que dizer a ele que ela:
- Odiava a toalha molhada em cima da cama e as roupas espalhadas no chão. "Cachorro!". Não era empregada dele.
- Odiava quando ele esquecia a tampa do vaso sanitário levantada. Custava alguma coisa baixar a droga da tampa?!
- Detestava encontrar a jarra de água vazia. Por acaso, só o reizinho tinha direito a água gelada?
- Surtava quando ele a gritava pela casa, parecendo um louco, por não saber onde enfiou a porcaria da pasta de trabalho dele.
- Tinha crise de nervos quando ele jurava de pés juntos que não fora ele que mexera nos discos dela. A quem ele queria enganar com aquela carinha de quem não fez nada, se na testa dele tinha "culpado" com direito a néon?
- Odiava quando ele tentava justificar o que não se podia justificar. A insistência dele a enlouquecia.
- Explodia quando ele desmarcava algum compromisso com ela só pra ver o futebol do domingo com os amigos!


No fim da tarde, ele chegou do trabalho. Ela pensou "É agora que esse filho da mãe vai ouvir.". Foi para a sala com tudo e desarmou-se.
Ele estava com um buquê de rosas vermelhas e uma garrafa de vinho. "Droga! esse patife..."
Chegou próximo a ele, que foi logo arrancando-lhe um beijo. Nessa noite ele cozinhou para ela, lavou os pratos e dançou com ela. Eles se amaram.

Na cama, ela o olhava. Estava dormindo. Tinha se saído muito bem naquela noite. Foi então que ela pensou o quanto ela adorava:
- O jeito dele, um pouco dissimulado.
- Do sorriso maroto quando tinha alguma idéia; principalmente na cama.
- Como ele sempre sabia o que ela estava sentindo: advinhava seus suspiros, seus "grrrs"; seus olhos.
- Quando ele, preocupado, cancelava todos os compromissos do dia quando ela ficava doente. Às vezes, era um simples resfriado...
- O jeito que ele tinha de lidar com sua TPM do cão! A paciência de ouvir as suas queixas de como estava gorda, feia e faminta. Oh Céus!
- Quando ele alugava filme de terror mesmo sem ela gostar. Ele sabia que ela o abraçaria com medo. E ele a aqueceria satisfeito por ser seu protetor.
- Quando no meio da noite a cobria. Acariciava seus cabelos e a envolvia com seu braço.
- As surpresas que ele sempre fazia para ela. Não precisava ter data especial; qualquer momento era propício.
- Dos incansáveis sussurros de "Te amo" ao pé do ouvido, o cheiro do perfume barato...

Realmente não tinha NADA a lhe dizer.
Era seu homem, seu amigo...seu bem querer.

Beijou-o e dormiu entre seus braços.

domingo, 17 de maio de 2009

E uma boa xícara de café...




Frio, cama, livro...Lençóis.
Boca, riso, rádio...Música.
Escuro, lâmpada, interruptor...Luz!
Olhos, cores, travesseiro...Abajur.
Violão, notas, ajustes...Sons.
Maquiagem, perfume, espelho...Reflexo!






E uma respiração lenta, tranquila e pensativa. Tudo se encaixava harmonicamente; o clima era de aconchego.
Às vezes irritava-se por tanta melancolia e tristeza que a acometia. Sabia que não era dada a sentimentalismos bobos. Às vezes irritava-se com tantos "às vezes".
Mas não importava-se por transparecer demais. Fora por muito tempo turva, nublada e obscura e chegou a conclusão de que isso a estava matando aos pouquinhos.
Tudo para ela e só dela; individualismo não mata, mas o egoísmo exacerbava a sensação insossa de ser só. Era de carne e osso também, poxa!
Cansou; aliás, sempre cansava-se de tudo. Sua inconstância era constante. Por vezes, era contraditória. Mas vem cá, quem não é?


Ah! Mas não queria pensar em nada disso hoje. Não hoje; quem sabe amanhã?
Limitava-se apenas a observar a fumaça que saía da sua caneca com café.
E lia.



Ai que frio bom aquele...







[P.S.: Obrigada ao Néctar e Flor pelo selo...aii, gente! Meu primeiro selo =D]

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Estranhezas

Estranho quando o que é engraçado não faz rir. Se é algo cômico, devia-lhe arrancar gargalhadas. Mas você não sorrir.
Estranho como às vezes é mais fácil desabafar com alguém completamente estranho do que com uma pessoa detalhadamente conhecida. Talvez, na verdade, você saiba que não conhece ninguém a fundo.
Estranho como qualquer coisa pode virar assunto; como de repente você se vê conversando com a pessoa que está sentada ao lado de você no coletivo, na lanchonete, ou na fila de espera de um banco. E se ela fosse um psicopata, um ladrão? Não, você sabe que não.

Estranho quando você vê sua felicidade em outra pessoa. Porra, tudo o que você sonhou e planejou está sendo desfrutado por ela e não por você! Mas talvez você não se lembre de que não abriu mão o suficiente das coisas ou que não se empenhou o bastante pra que se fizesse merecedor. Afinal, não é você quem julga. (Felizmente. O mérito premeditado se faz tão entediante...)
Estranho como às vezes o que é frívolo para alguns preenche melhor o que deveria ser a vaga de algo útil, de grande importância, em você. Talvez, seja necessário ser um pouco egoísta.

Estranho como andar na corda bamba é melhor do que andar em chão firme. Sua capacidade será testada: a queda pode ser drástica a depender da altura que esteja. Equilibrar-se se faz necessário.

Estranho como bolamos nossos passos mesmo sem conhecer por onde vamos caminhar. É que nos esquecemos às vezes de que imprevistos não são previamente teóricos; simplesmente surgem.
Estranho como o que você sente é tão bem mais expressado nas palavras de outros do que nas suas.
Estranho como mesmo não tendo experiências muito proveitosas ou bem sucedidas, arriscamos tudo outra vez. A experiência não tão doce das situações anteriores servem como estímulo pra que da próxima vez, você acerte. Mas quem sabe quando se vai acertar?

Estranho como nem sempre conseguimos lidar com a falta, mesmo tentando se convencer que não existe falta nenhuma. Até os mais errantes, mais loucos, mais libertos, carecem de se aprisionar a uma outra alma, a um outro ser. Incondional, temporária, parcial ou fugazmente, não importando o tipo da prisão. Não é nenhuma demonstração de fraqueza, ingenuidade ou coisa assim, se admitir que você precisa de uma costela para os frios, um bobo pra rir de suas piadas não tão engraçadas; de alguém que você possa confidenciar aquilo quem nem à sua sombra você ousar dizer.



Estranho como hoje me sinto estranha....

terça-feira, 12 de maio de 2009

"Com licença, mas qual é a cantada que funciona melhor com você?"

Desempregada há mais de um mês.
Dinheiro acabando, ô môpai!
Aniversário chegando.
Crise de nervos.
2 kg a mais na balança.
Espinhas voltando aparecer depois de anos sem dar as caras.
Um milhão de entrevistas.
Respostas de "Entraremos em contato" ou "Você passará por mais uma seleção..." aos montes.
Humor sarcástica e ironicamente aguçado.
Em abstinência....não, melhor não entrar em detalhes tão sórdidos. seria desesperador demais.
Cuidado estou mordendo!

Assaltos a geladeira no meio da noite (Ó céus! Aqueles pãezinhos de queijo mimimi).
Rinite atacando o meu sono.
O extrato do cartão chegou...
O cavalete do meu violão descolou.
Tem um "inquilino" na minha cozinha.
Uma chuva dos diabos, e um fim de semana entendiante em casa.


Como se não bastasse, essa manhã, após sair de uma entrevista estressante, com o mundo de candidatos pra dez vegas, ponto cheio, o tempo ameaçando chuva, o sapato fazendo calo no pé, o ônibus com meia hora de atraso, me vem um filhote de cruz-credo reencarnado em forma de gente pra me amolar o saco que não tenho.
Eu estava aguardando o busu, ele veio me pentelhar. Estava a um quilômetro de distância e veio se chegando. Me perguntou se eu podia dizer as horas. Mostrei que não tinha relógio. Ele sossegou. Depois veio com um comentário do tipo "Porra, que mormaço"; olhei para ele com cara de "aaaan...comigo? Acho que não" e voltei a olhar na direção que o ônibus já deveria estar vindo.
Mesmo com a minha cara de poucos amigos, ele não aguentando mais, se encheu de coragem e largou:

- Gatinhaaaa, eu poderia gastar todo o meu estoque de cantadas com você, morena! Você tem cor de bombom! Você é nora que minha mamãezinha pediu a Deus, um tesouro, não sei como não se machucou quando caiu do céu meu anjo......

Avistei o ônibus, controlando a vontade de pular no pescoço daquele ser e me vingando de tudo que eu já tinha escutado, me virei pra ele e disse:

- Pode me fazer um favor? [com uma voz quase de sexycall,haushaushua]
- Vários se você quiser, minha nêguinha. (Todo fogoso, quase entrando em êxtase...)
- VÁ CANTAR A PUTA QUE O PARIU, SEU IDIOTA!

E subi no ônibus com um certo gostinho por ser vista como "contraventora" da ordem social, sendo seguida pelos olhares repreensivos das senhoras que estavam no ponto.
Hááá...Qualé gente boa?! Já tenho muita coisa pra apertar minha mente, não preciso de um cidadão faminto pra aumentar a coleção, não!


Cuidado! Eu estou mordendo!

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Com um gosto amargo na boca (parte II)

Em uma dessas noites, depois do ato, com ela, que acabara de acender um cigarro, em seu peito confessou-lhe tudo o que estava sentindo. Confessou que ardia por ela, e que não aguentava mais pensar no fato que a dividia com outros homens. Ela o olhava indiferente e mais indiferente eram as suas respostas de "não” aos pedidos suplicantes de Stevens. "Quem ele pensa que é? Um herói? Não, não sou a mocinha indefesa e muito menos quero ser salva", pensava ela enquanto o pobre rapaz, despejava-lhe confissões.
De certa forma gostou da submissão do rapaz; inflava o seu ego. Mas, por outro lado, tinha que dar um jeito naquela situação. Tentou explicar que era uma meretriz, uma puta, mas era porque assim queria; não odiava a vida que levava. Mas ele não entendia, estava cego. Dispensou o rapaz com a promessa de que ele poderia vê-la na noite seguinte.

Acendeu mais um cigarro, bolando o que poderia fazer pra se livrar de um coração apaixonado; eles eram grudentos, incovenientes ao ver dela...
Decidiu que teria que tomar medidas drásticas. E bolou um plano impiedoso para acabar de uma vez por todas com a euforia descabida de Stevens.
Depois de um jantar a dois, um clima romântico e tórrido pairava sobre o quarto. Depois de algumas taças de champanhe, os dois amantes estavam rindo e trocando carícias. Num descuido do rapaz, ela vai até sua gaveta de miudezas, pega um frasquinho com um contéudo estranho e despeja na taça do seu obcecado admirador. Foi a última vez que as palavras dele enchia seu ego mixe.

Agora ela estava descendo as escadas com aquele homem lindo, porém morto. Que desperdício! Se não viesse com aquelas baboseiras de amor, poderia agora estar desfrutando do delicioso sexo que aquele animal tinha. Como ainda era bem cedo, o bordel estava vazio. Os clientes ainda estavam nos quartos, cada qual com o seu troféu da noite. Com dificuldade, conseguiu colocar o corpo no carro. Seguiu até a praia. Em nenhum momento hesitara, arrependera-se. Mantinha-se decidida e fria. Chegando à parte deserta da praia, certificou-se de que não havia ninguém. Foi até o carro, pegou o corpo, o beijou pela última vez e o empurrou para as pedras. Logo em seguida a maré levou o corpo de Stevens como se fosse uma oferenda. Ela, devota de Iemanjá, pediu perdão e proteção e seguiu de novo a seu carro.

No caminho de volta ria do pobre e tolo Stevens. Porque nunca quisera ser salva. A sua vida era traçada pelo inesperado. E foi pelo inesperado que tinha aquele ofício. Poderia ter qualquer um ao seu colchão. Sim era puta, porém, LIVRE! Mais livre que qualquer moça de bem. E sentia um certo orgulho disso. Droga! Ainda sentia o amargo na boca.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Com um gosto amargo na boca... [parte I]

Sentou à beira da cama. Levou a cabeça até os joelhos e passou as mãos nos cabelos molhados.
Os lençóis, num emaranhado que só, expeliam o cheiro misto de suor e baunilha.
Ainda tonta e com repentinas ânsias de vômito, notou que havia um corpo em seu colchão.
Mas isso não era nenhuma anormalidade. Afinal, muitos corpos frequentavam seu colchão.
Um corpo, um cheiro, uma boca diferente a cada dia. Moreno nas segundas, louro às terças; os ateus na quarta, os calvos nas quintas. Os mais "maduros", segundo ela, mereciam-na nas sextas. E nos sábados e domingos se permitia, e a seu colchão também, a acolher qualquer alma que necessitasse de pele, desejo e carne!
Não pode evitar o desejo de expelir tudo que havia em seu estômago e correu para o banheiro, na esperança de que alcançasse. Argh! Um gosto amargo lhe veio a boca. Concluiu que tinha tomado champanhe. Já tinha sentido aquele odioso sabor em um dia de ressaca após uma noitada de farras regada por champanhe em taças inebriantes...Ai! Aquela dor de cabeça também já sentira.

Quase que se arrastando, procurou na gaveta onde guardava suas miudezas, qualquer remédio ou droga que aliviasse àquela sensação penosa que se instalara em sua cabeça. Achou um comprimido qualquer, e antes que pudesse ler de qual dos males ele tratava, pôs para dentro sem hesitar.
Sentou na poltrona em frente a sua cama e olhou novamente o corpo estendido. Engraçado, apesar de todo o barulho, a figura corpolenta daquele homem não havia sequer feito um movimento. Decidiu chegar mais perto.
O reconhecera! De repente sua náusea voltou, sentiu-se tonta, confusa; suas mãos e face ficaram gélidas e novamente o gosto amargo do champanhe da noite anterior veio-lhe à boca. "Está morto!". Aquele homem que estava em seu colchão estava morto!
Não, ela não aparentou nenhuma surpresa ou desespero. Na verdade sua exclamação foi de conquista. O mal estar era por causa da incômoda ressaca. Conseguira cumprir seu plano, apesar de não ter memória de como o executou. Demonstrando uma implacável frieza após ter entendido o que acontecera ali, resolveu tomar uma ducha. Enquanto se vestia, pensava em como ia se livrar daquele corpo.

Stevens era um homem corpulento, elegante, bonito e ingenuamente apaixonado. Apesar de passar uma imagem contrária, era tolo nas questões do coração (e quem não é?!). Enrabichava-se facilmente, iludia-se e encantava-se com aqueles seres de saia. Os amigos tentavam ajudar, aconselhavam-no, mas não se há muito o que fazer por quem tem a paixão como bússola.
A última, literalmente a última, avassaladora paixão de sua vida tinha sido por Ela. Uma mulher da vida; uma puta de um dos vários bordéis da quase extinta Ladeira do Imperador. Não era qualquer rameira; ela era especial. Tinha vida nos olhos. Fazia o ofício de cada dia por prazer. Cheirava a desejo, a fogo, a saliva quente, a luxúria, a sexo. Suas unhas sempre vermelhas o fascinavam. A boca carnuda hipnotizava-o. Era perfeita. Vinha frequentando o seu colchão há meses. Ia por amor, paixão ou qualquer nome que explicasse aquela súbita vontade de tê-la em seus braços, encaixada prazerosamente em sua virilidade. Ah! Gozava intensa e freneticamente com ela. Sim, ele a amava!

segunda-feira, 4 de maio de 2009

E tinha um sorriso na bagagem...






E ziguezagueou pelas ruas esburacadas. Suas pernas bambeavam, e vez ou outra se desequilibrava no seu próprio passo.
Mas não caía.
Dava risada da sua condição...

Ia desafiando as poças d'águas espalhadas na calçada. Esquiva-se delas e quando cansava, pulava não se importando se era de lama ou de lágrimas.
Ficava pensativa, mas logo o pensamento se dispersava e seguia uma borboleta cor "azulinfinitodecéu". As coisas pequenas e belas sempre a distraíam.

Seguia os cheiros e sabores conhecidos. Os desconhecidos, por sua vez, procurava aspirar o máximo que seus pulmões conseguissem armazenar e sua memória conseguisse arquivar em sua coleção.
O engraçado é, que virava e mexia, o cheiro dele sempre aparecia no meio daqueles distintos odores. Nãão! Impressão, deve ser impressão.
Às vezes sentia vontade de gritar, esperniar, chorar. Mas quando lembrava o trabalho que a daria para derramar um mar de lágrimas, mudava de vontade e sorria.
Pulava, dançava e ria!

De tudo, de todos, dos formatos estranhos, das cores alegres, da sua música predileta tocando no radinho de pilha de um estranho, de si mesma, dos outros. Não sabia ao certo o motivo, o porquê do seu riso. Era espontâneo, gostoso e contagiante.
Quando ziguezagueava na rua, ela deixava em seu rastro, o cheiro do impulso, do desejo de gostar, de flores!


Ela deixava o gostinho de baunilha na pele quente!