quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Do que vem à mente e vira um punhado de palavras.

Nem toda genialidade é coerente e/ou compreensível.
Isso pode variar conforme os olhos e para onde estão olhando.
Às vezes, é preciso se desprender da lógica e do real; é preciso querer ir além do que se pode entender.
Porque a depender da fome e da sede, o horizonte pode se tornar finito.


terça-feira, 18 de agosto de 2009

Ser de gêmeos à flor da pele

Indecisa. Essa pode ser a primeira palavra que me viria a mente para definí-la. Não é que não saiba o que quer; mas é por querer tanta coisa que nem sabe por onde e pelo que começar.
Ela se enche de orgulho ao dizer que é do elemento ar. Isso explica o fato de sempre encontrá-la nas nuvens, viajando e conversando com seus botões. Mas não pensem que ela não mantém os pés no chão: a ingenuidade passa longe dos seus olhos.

Apesar da sua facilidade para se expressar, não ousa falar sobre o que sente. Falar da intimidade a amedronta: fica completamente perdida diante das possíveis exigências emocionais. Não gosta nem de pensar em se sentir presa a uma pessoa ou a um lugar, e por vezes se torna volúvel e superficial. Sente que seu espírito é livre. Talvez nem ela mesma consiga mantê-lo em seu corpo. Mas, vez ou outra, mergulha sem calcular, sem paraquedas; quer ir fundo, fundo e fundo. Desconfio que tenha asas.
Decidida de um jeito que beira à teimosia, jamais tomará um trem se puder voar. Jamais ficará calada se puder falar. Jamais irá se recusar quando puder ajudar. E jamais andará quando puder correr. Sua máquina pensante tem tantos pensamentos e seu músculo pulsante tantas esperanças, que talvez ela precise de um computador para conseguir classificá-los. Ou talvez precise apenas de alguém capaz de correr ao lado dela e sonhar junto.

Mas enquanto ela não tem certeza se hoje faz a assinatura da TV a cabo ou da revista bacana, se vai ser azul em vez de cinza, ou café com pão em vez de massa, vai continuar a pensar que tudo isso não passa de mais um dia que seus nervos geminianos lhe afloram na pele. Vai entender aqueles que oscilam constantemente...

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Brisa, voo, menina-papel



E foi justamente numa noite de agosto, nem muito quente nem muito fria, que tive que encarar o adeus em forma de abandono.
Os armários estavam vazios. Não tinha sobrado vestígio dela em canto nenhum. Levou embora escova de dentes, sorriso, roupas e ela. Quando cheguei me deparei com uma lacuna em toda casa.

De tempos em tempos, vou esquecendo vagamente de como era essa casa com a malemolência dela. Nessas horas, me pego aqui, como agora, novamente inerte no sofá, olhando fixamente para uma moça que está ao meu lado nesse porta-retrato.
E me pergunto: será que foi aquela brisa que deixei entrar pela janela que levou a minha menina-papel?

Não sei. O silêncio teima em fazer birra e insiste em nada me contar. Nada mesmo...

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Da condição de ser de carne e osso...



- E me perdoe se não escrevo tão bem quanto se esparava. Mas é que, às vezes, essa condição de mero mortal me atrapalha e muito! Ser feito de carne e osso, é um ofício árduo e daqueles bem complicados. Aprender dia após dia lidar com a dúvida, a falta, a nostalgia, a tristeza, a alegria desmedida, com o real e o imaginário, é uma tarefa que passa longe do que se pode chamar de fácil. E quando tudo se embaraça e resolve acontecer ao mesmo tempo...Céus! Chego a duvidar de minha sanidade.
Aliás creio que minha lucidez já tenha me abandonado há tempos. Esses últimos dias, provam de maneira incontestável, que tenho estado fora do ar, fora de mim.
Aposto que se fosse um "deus" não teria que quebrar tanto a cabeça e ainda sim ter que mantê-la inteira. E ainda me incomoda essa condição de mortal.
Osso, carne, pulso, artérias, veias, sangue fervendo. Pés, mãos, ouvidos, boca, razão. Olhos, cheiro, pele, dedos, amor. Coxas, joelhos, pescoço, paixão. Ódio, dentes, cabelos, narinas, desejo. Para quê tanta coisa em uma simples pessoa? Será que não foi pensado o quão difícil seria e é administrar tudo isso? Chego a pensar que não dou conta disso tudo sozinho. Se eu fosse um "deus"...

Não. Provavelmente morreria de tédio. Não me imagino divino e perfeito. Vai ver que é porque a perfeição passa distante das pessoas feitas de carne e sangue fervido. SE perfeito, seria privado dos meus sentidos. E cá um segredo: reclamo, mas adoro todo esse turbilhão de sentimentos, sentidos, gosto, cheiro, imagens que acontece todos os dias. Talvez se eu fosse um "deus", eu seria insípido, arrogante, egocêntrico e extramente mal humorado.
Com certeza gosto desse jogo, de sentir, ouvir, falar, cheirar, tocar, hesitar, seguir, abandonar, sentir medo, se encher de coragem... E qualquer verbo que me dê a sensação de que sou vivo, falho e mortal.

E perdoe-me. Continuo não escrevendo tão bem quanto se esperava. Mas agora sinto-me aliviado e sortudo por está na condição de mero mortal. Por ser feito de carne, osso e sangue fervido.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Bertold Brecht, uma possível transcrição e uma falta ideia


LISTA DE PREFERÊNCIAS

Alegrias, as desmedidas.
Dores, as não curtidas.
Casos, os inconcebíveis.
Conselhos, os inexeqüíveis.
Meninas, as veras.
Mulheres, insinceras.
Orgasmos, os múltiplos.
Ódios, os mútuos.
Domicílios, os passageiros.
Adeuses, os bem ligeiros.
Artes, as não rentáveis.
Professores, os enterráveis.
Prazeres, os transparentes.
Projetos, os contingentes.
Inimigos, os delicados.
Amigos, os estouvados.
Cores, o rubro.
Meses, outubro.
Elementos, os fogos.
Divindades, o logos.
Vidas, as espontâneas.
Mortes, as instantâneas.


Adoro esse poema de Brecht. Apesar de muitos dizerem que a versão em alemão é um pouco diferente, não muda a minha preferência por ele.
Já pensei em transcrevê-lo numa versão minha, com moldes meus. Mas, seria audácia demais (ou não!) querer modificar o belo em sua forma mais-que-perfeita, mesmo este não sendo em pretérito.
Na verdade ainda não fiz por falta de ideia. Tenho usado todas para continuar me sustentando e mantendo viva. Fato.

P.S. Hoje é sexta-feira!

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Uma heroína; diferente, mas ainda sim heroína...

É de menina que nasce em Dinorah a vocação para a promiscuidade. Despertava nos meninos, os pensamentos mais audaciosos, ardentes e impróprios à idade. Seu cabelo grande e negro, exalava um perfume que parecia embebedar os pequenos.
Na adolescência, quando as curvas começaram a delinear e a valorizar seu corpo, percebeu o encanto que causava nas criaturas tolas do sexo masculino. Vangloriavam-se só por ter um falo! Patéticos!
Fazia questão de realçar o colo com um profundo decote, o que se tornava um banquete para os olhos famintos da rapaziada. Provocava e invadia os sonos molhados dos garotos inexperientes. Incitava, desafiava a experiÊncia dos homens crescidos, dos mais tradicionais aos mais sórdidos, sem esquecer daqueles de idade mais avançada. Gostava de ser olhada, venerada, bajulada. Gostava dos presentes, dos mimos, das serenatas em sua janela. E não se incomodava com as línguas e os dedos a apontá-la das beatas que a condenavam por não esconder seu corpo. Não tinha a menor vocação para ser santa e não iria cobrir a beleza que tinha. Pensava somente que a inveja um dia iria corroer essas desocupadas.

Quando finalmente se tornou mulher, foi mais odiada ainda. Os homens iam a sua casa procurar abrigo, afago, sua pele cheirosa, sua pequena camisola de renda e outras coisas que não encontravam nas esposas. Em casa só achavam o grito das crianças, a confusão de panelas na cozinha e obrigações de pai e marido. E a noite, quando pensavam em aproveitar a vida de casado, tinham que se contentar em apenas ouvir as demoradas orações de todo santo dia. Na casa de Dinorah não. Encontravam uma noite inebriante de prazer. Desbravavam-se por todo seu corpo voluptuoso, parecendo que era esse o último dia de suas vidas.

Tudo estava em sua rotina na cidade. A modorra de sempre, os velhos na praça a curtir o ócio, tudo normal. Até que um bando de desordeiros invadiram e apavoraram toda a pacata cidade e seus habitantes. Quebraram, sujaram, roubaram, causaram o caos. O líder do bando, um sujeito de pensamentos imundos e sem caráter nenhum, ordenara aos seus subordinados que matassem todos, sem motivo, por pura diversão.
Foi quando avistou Dinorah. Sentiu seus instintos sacudindo-o por dentro e um desejo súbito de ter aquela carne ao seu dispor.
Decidiu então dar àquelas pessoas uma chance se ele, em troca, pudesse desfrutar da bela mulher que tinha aos olhos.
Desesperados, todos suplicaram a ela que aceitasse o acordo. Suplicaram que ela, a odiada puta, os salvassem. Comovida e pela primeira vez contrariada em saciar um homem, atendeu ao pedido do povo e dominou seu algoz. Pela primeira vez, ela desejou que a noite passasse depressa. Ele, um animal insaciável, lambuzou-se e deleitou-se a vontade. Dinorah teve de controlar seu asco e satisfazê-lo.

Quando surgiu o dia, sentiu o alívio invadindo o quarto junto com a luz do sol. O sujeito medonho se levantou, arrastou seu bando e sumiu no mundo.
Dinorah foi até a janela, respirou fundo e ficou olhando a movimentação lá fora.
Foi encarada pelos mesmos olhos de repreensão e ódio de antes. Segurou o choro, e pensou no quanto eram ingratos. Mas logo em seguida sorriu. Não podem fugir da verdade dos fatos: a puta se tornou heroína!


[Texto baseado na história de Geni, da canção "Geni e o Zepelim" de Chico Buarque]